
O homem nunca pode parar de sonhar. O sonho é o alimento da alma, como a comida é o alimento do corpo. Muitas vezes, em nossa existência, vemos nossos sonhos defeitos e nossos desejos frustrados, mas é preciso continuar sonhando, senão nossa alma morre.
O Bom Combate é aquele que é travado porque o nosso coração pede. Nas épocas heróicas, no tempo dos cavaleiros andantes, isto era fácil, havia muita terra para conquistar. Hoje em dia, porém, o mundo mudou muito, e o Bom Combate foi transportado dos campos de batalha para dentro de nós mesmos.
O Bom Combate é aquele que é travado em nome dos nossos sonhos. Quando os sonhos explodem em nós com todo o seu vigor – na juventude – nós temos muita coragem, mas não temos experiência na luta. Depois de muito esforço, terminamos aprendendo a lutar (somos adultos!), e então já não temos a mesma coragem para combater.
Por causa disto, nos voltamos contra nós e combatemos a nós mesmos; passamos a ser nosso pior inimigo. Dizemos que nossos sonhos eram infantis, difíceis de realizar, ou fruto de nosso desconhecimento das realidades da vida. Matamos nossos sonhos porque temos medo de combater o Bom Combate.
O primeiro sintoma de que estamos matando nossos sonhos é a falta de tempo. As pessoas mais ocupadas sempre têm tempo para tudo. As que nada fazem estão sempre cansadas, não dão conta do pouco trabalho que precisam realizar e se queixam constantemente que o dia é curto demais. Na verdade, elas têm medo de combater o Bom Combate.
O segundo sintoma da morte de nossos sonhos são nossas certezas. Porque não queremos olhar a vida como uma grande aventura a ser vivida, passamos a nos julgar sábios, justos e corretos no pouco que pedimos da existência. Olhamos para além das muralhas do nosso dia-a-dia e ouvimos o ruído de lanças que se quebram, o cheiro de suor e de pólvora, as grandes quedas e os olhares sedentos de conquista dos guerreiros. Mas nunca percebemos a imensa alegria que está no coração de quem está lutando, porque para estes não importa nem a vitória nem a derrota, importa apenas combater o Bom Combate.
O terceiro sintoma da morte de nossos sonhos é a Paz. A vida passa a ser uma tarde de domingo, sem nos pedir grandes coisas, e sem exigir mais do que queremos dar. Achamos então que estamos “maduros”, deixamos de lado as fantasias da infância, e conseguimos nossa “realização pessoal e profissional”. Ficamos surpresos quando alguém de nossa idade diz que quer ainda isto ou aquilo da vida. Mas na verdade, no íntimo de nosso coração, sabemos que o que aconteceu foi que renunciamos à luta por nossos sonhos, renunciamos a combater o Bom Combate.
Quando renunciamos aos nossos sonhos e encontramos a “Paz” temos um pequeno período de tranqüilidade. Mas os sonhos mortos começam a apodrecer dentro de nós, e infestar todo o ambiente em que vivemos. Começamos a nos tornar cruel contra nós mesmos. Surgem as doenças ...
O que queríamos evitar no combate – a decepção e a derrota – passa a ser o único legado de nossa covardia. E um belo dia, os sonhos mortos e apodrecidos tornam o ar difícil de respirar e passamos a desejar que algo nos livre de nossas “certezas”, de nossas “ocupações”, e daquela terrível “paz das tardes de domingo”.
Paulo Coelho